Lei nº 10.098/2000

Juliana Jenny Kolb

Home > Simulados on-line  Questões de Concursos > Conhecimentos Gerais > Questões Leis, Decretos e Estatutos

Lei nº 10.098/2000

Resumo: A Constituição Federal, em seu artigo 24, XIV, aponta que a proteção e a integração social das pessoas com deficiência são matérias de competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, sendo que, nessa hipótese, conforme o §1º do mesmo artigo 24 da Constituição, competiria à União apenas a elaboração de normas gerais sobre as referidas matérias. Discute-se se a Lei nº 10.098/2000, editada pela União, traz normas gerais sobre a proteção e a integração das pessoas com deficiência, ou se houve extrapolação pela União da competência legislativa que lhe foi conferida pela Constituição Federal.

Palavras-chave: Pessoas com deficiência; proteção constitucional das pessoas com deficiência; competência legislativa concorrente; normas gerais.

I – Introdução

O artigo 24, XIV, da Constituição Federal, dispõe que é matéria de competência legislativa concorrente a “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”.

Como matéria de competência legislativa concorrente, cabe à União o estabelecimento de normas gerais e aos Estados a suplementação dessa legislação, nos termos dos parágrafos do mesmo artigo 24 da Lei Maior.

A União, então, editou a Lei nº 10.098/2000, exercendo a competência concorrente do artigo 24, XIV, da Constituição Federal, que tem a seguinte ementa:

“Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.”

Questão que surge é se a União, ao editar a referida Lei nº 10.098/2000, não transbordou da competência que lhe é atribuída pelo artigo 24, §1º, da Constituição Federal, ou seja, se de fato a lei nº 10.098/2000 constitui-se em normas gerais para a proteção e integração social das pessoas com deficiência, ou se a norma referida padece de vício de inconstitucionalidade em razão de usurpação, pela União, de competência que pertenceria aos Estados. Este o tema de que trataremos.

II – Competência legislativa concorrente

A Constituição Federal, em seu artigo 24, estabelece a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Nesse artigo, assim, a Lei Maior enumera uma série de assuntos acerca dos quais os mencionados entes federativos legislarão conjuntamente, fixando, nos parágrafos regras acerca de como tais competências serão exercidas.

Vejamos a redação do artigo 24 da Constituição Federal no que toca ao exercício das competências legislativas concorrentes:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(…)

§ 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”

Entende-se que o Município também poderá exercer a competência legislativa concorrente face o disposto no artigo 30, II, da Constituição Federal, que assim dispõe:

“Art. 30. Compete aos Municípios:

(…)

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(…)”

Comentando acerca da participação do Município na competência legislativa concorrente, Fernanda Dias Menezes de Almeida assim leciona:

Isto não significa que estes estejam excluídos da partilha, sendo-lhes dado suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, conforme dispõe o artigo 30, II, da Constituição.

Como dissemos antes, trata-se de modalidade de competência legislativa concorrente primária, porque prevista diretamente na Constituição, mas diferente da competência concorrente primária que envolve a União e os Estados. E diferente porque a Constituição não define os casos e as regras de atuação da competência suplementar do Município, que surge delimitada implicitamente pela cláusula genérica do interesse local[i].

Visto, dessa forma, que todos os entes federativos participam da atribuição de competências legislativas concorrentes, cumpre verificar a sua forma de exercício, conforme o disposto nos parágrafos do artigo 24 da Constituição Federal.

Em síntese, podemos dizer que no exercício das competências legislativas concorrentes à União cabe a edição de normas gerais, competindo aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (por força do disposto no art. 30, II, da CF), a edição de normas que venham a complementá-las. Inexistindo legislação federal sobre o assunto, os demais entes federativos exercerão a competência legislativa plena, mas sobrevindo lei federal sobre normas gerais a eficácia da legislação estadual ficará suspensa, naquilo que lhe contrariar.

Essa forma de repartição de competências legislativas concorrentes, denominada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho de competência legislativa concorrente não-cumulativa, tem como principal problema a discussão acerca do que seriam “normas gerais”, conforme trazido pelo art. 24, §1º, da CF. Passamos a examinar tal questão.

III – Normas Gerais

Há grande discussão acerca do que venham a ser as “normas gerais”, cuja elaboração, no caso das competências legislativas concorrentes, ficaria a cargo da União.

Como bem aponta Celso Antônio Bandeira de Mello[ii], é característica de toda e qualquer lei ser uma norma geral. Dessa forma, se a Constituição expressamente qualifica as leis a que se refere na repartição das competências legislativas concorrentes como “normas gerais” é por considerar que tais normas devem ter uma generalidade especial, diferente da generalidade que é inerente a todas as leis.

Não há um consenso doutrinário acerca do que venham a ser as normas gerais para o fim de repartição constitucional de competências. Fundamentalmente, aponta-se que as normas gerais seriam aquelas que apontam princípios, direções a serem seguidas pelo legislador local no exercício da competência legislativa concorrente, não cabendo, assim, que o tema seja detalhado em suas minúcias. As normas gerais seriam diretrizes a serem seguidas pelas normas específicas, estas sim a detalhar a regulação do assunto.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em detalhado estudo sobre o tema, aponta o seguinte conceito de norma geral:

Chegamos, assim, em síntese, a que normas gerais são declarações principiológicas que cabe à União editar, no uso de sua competência concorrente limitada, restrita ao estabelecimento de diretrizes nacionais sobre certos assuntos, que deverão ser respeitadas pelos Estados-Membros na feitura das suas respectivas legislações, através de normas específicas e particularizantes que as detalharão, de modo que possam ser aplicadas, direta e imediatamente, às relações e situações concretas a que se destinam, em seus respectivos âmbitos políticos[iii].

Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco entendem que as normas gerais são “normas não exaustivas, leis-quadro, princípios amplos, que traçam um plano, sem descer a pormenores”[iv].

Ricardo Marcondes Martins, por sua vez, apontando para a importância da legislação local como medida de efetivação do princípio democrático e do princípio da igualdade, tendo em vista que, face as características continentais do Brasil, o cidadão tem maior acesso e poder de influenciar o legislador local do que o Congresso Nacional e, assim, o legislador local tem maiores condições de avaliar as peculiaridades regionais e leva-las em consideração na edição das leis, entende que a justificativa para a edição de normas gerais pela União é encontrada na necessidade de manutenção da unidade nacional, bem como na garantia da segurança jurídica. Aponta, assim, que

As normas gerais, concluiu-se, não possuem um elemento material preciso, previamente fixado. Cada matéria a ser legislada deve ser examinada pelo legislador federal e submetida a ponderação. Esta indicará, com precisão, se e em que medida o princípio da igualdade é afastado pelo princípio da segurança jurídica. As normas gerais poderão ou não ser editadas, poderão ser mais ou menos minuciosas, tudo dependerá do peso do princípio da segurança jurídica diante das circunstâncias fáticas e jurídicas[v].

Celso Antônio Bandeira de Mello, ele mesmo afirmando tratar-se de entendimento em desacordo com o comumente apontado, afirma que as “normas gerais” devem ser entendidas de maneira flexível, em sentido mais abrangente do que o normalmente apontado pela doutrina, levando em consideração cada uma das hipóteses constitucionais de competência legislativa concorrente, de acordo com o interesse público que se pretende proteger. De fato, discorre o referido autor acerca das normas gerais:

Dessarte, de fora parte diretrizes, princípios e delineamentos genéricos, a União estaria também autorizada a qualificar, em casos de símile compostura, um patamar, um piso defensivo do interesse público que as legislações estadual e distrital não poderiam desatender[vi].

Pontes de Miranda, por sua vez, comentando a Constituição de 1967 alterada pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969, parece entender que a legislação federal pode ter contornos mais amplos, chegando a afirmar que “Para o corte como inconstitucional, é preciso que o legislador central tenha ido a pormenores absurdos, pelo intervir em ‘particularidades’ do Estado-membro”[vii].

Assim, conforme demonstrado, não há um entendimento assente na doutrina acerca do que sejam as normas gerais, sendo possível, no entanto, apontar algumas de suas características mais marcantes, como um grau maior de generalidade do que o comumente encontrado nas leis, com o estabelecimento de diretrizes, princípios vetores, acerca das matérias que forma estabelecidas como sendo de competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, deixando margem ao legislador local para que proceda à sua complementação, com vistas à sua adequação às peculiaridades regionais.

Parece-nos acertado apontar que um importante vetor interpretativo para o reconhecimento das normas gerais é a sua relação com a necessidade de tratamento uniforme de algumas diretrizes em âmbito nacional, com vistas a prestigiar a segurança jurídica e o interesse público a ser atingido. O estabelecimento de tais diretrizes, outrossim, não pode chegar ao ponto de ceifar do Estado ou do Distrito Federal a possibilidade de regulamentação da questão em nível local, ou seja, não pode exaurir a matéria, ou mesmo fixar-lhe limites muito estreitos que praticamente retirem do legislador local a possibilidade de regulação do tema.

Cumpre ainda, apontar o entendimento, com o qual concordamos, de Fernanda Dias Menezes de Almeida, no sentido de que “não vemos como evitar uma certa dose de subjetivismo na identificação das normas gerais, o que sempre acabará suscitando conflitos de competência”[viii]. De fato, é amplo o campo para a interpretação acerca do que venham a ser normas gerais, sendo muito estreito o limite entre o que é o estabelecimento de uma diretriz e o que pode ser considerado como uma especificação da matéria.

IV – A Lei nº 10.098/2000 como norma geral: constitucionalidade

O inciso XIV do artigo 24 da Constituição Federal traz como sendo de competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal a “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”.

Em sendo competência legislativa concorrente, à União compete a edição de normas gerais sobre o tema, como acima visto. Nesse sentido, foi editada a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, cujo artigo 1º assim dispõe:

Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

Vem se discutindo, no entanto, se a referida Lei nº 10.098/2000 de fato limitou-se ao estabelecimento de normas gerais sobre o tema ou extrapolou a competência legislativa da União, tendo minudenciado excessivamente o tema e invadido, assim, a competência legislativa dos Estados e do Distrito Federal.

Parece-nos que não há inconstitucionalidade, ao menos dessa ordem, de violação de competência dos outros entes federativos, na Lei nº 10.098/2000. Vejamos.

O artigo 1º, supratranscrito, apenas aponta o âmbito de aplicação da lei, não havendo nenhuma disposição que possa ser taxada de inconstitucional ou transbordante dos limites de competência da União.

O artigo 2º traz apenas as definições que serão utilizadas na lei, não havendo, também, que se falar em transbordamento de competência. Há, sim, disposição que foi revogada pela superveniência da Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência patrocinada pela Organização das Nações Unidas – ONU, aprovada pelo Brasil por intermédio do Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de 2008, nos termos do §3º do art. 5º da Constituição Federal e, portanto, com equivalência de emenda constitucional, ratificada em 1º de agosto de 2008 e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Trata-se do conceito de pessoa com deficiência, trazido pelo artigo 2º, III, da Lei nº 10.098/2000, que é incompatível com o conceito do artigo 1 da Convenção, que, como dissemos, tem equivalência de Emenda à Constituição. Devemos, assim, adotar o conceito da Convenção, que assim dispõe:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Não há, no entanto, no artigo 2º da lei, inconstitucionalidade em razão de usurpação de competência.

As disposições trazidas nos artigos 3º a 7º[ix], limitam-se a estabelecer diretrizes acerca da acessibilidade nas vias e espaços públicos, sem qualquer especificação que não permita o detalhamento pelo legislador local, estabelecendo apenas limites e normas técnicas mínimas que devem ser observadas em tais espaços. Há, apenas, o estabelecimento da obrigatoriedade de que as vias e espaços públicos sejam acessíveis, com a observância, em alguns casos, das normas técnicas padronizadas da ABNT, o que, de forma alguma, impede uma regulação estadual ou distrital, que tem, ainda, amplo campo de especificação.

Mesmo nos casos em que a lei fixa percentuais mínimos (art. 4º, parágrafo único e art. 7º, parágrafo único), tal percentual é ínfimo, sendo possível afirmar que, se a lei local pretendesse reservar menos do que o previsto na lei federal, nenhuma proteção teriam as pessoas com deficiência. Seria o caso da questão apontada por Celso Antônio Bandeira de Mello, acima referida, no qual deve a lei federal garantir um mínimo de proteção ao direito que se quer proteger, sob pena de que este reste totalmente desamparado.

Com relação aos artigos 8º e 9º[x], que tratam da instalação de sinais de tráfego e semáforos para pedestres, nos parece que o artigo 8º, fora de dúvida, traz disposição geral, apenas impondo o dever de que o mobiliário urbano seja instalado de forma a não dificultar ou impedir a circulação, deixando toda a regulamentação, assim, ao legislador local.

O artigo 9º, que traz especificações acerca dos semáforos para pedestres, nos parece de fato, trazer disposições que extrapolam o estabelecimento de normas gerais. No entanto, trata de questão eminentemente de trânsito, o que é de competência privativa da União, conforme artigo 22, XI, da Constituição Federal. Assim, não há inconstitucionalidade também em tal dispositivo.

O artigo 10 da Lei nº 10.098/2000, por sua vez, traz disposição que apenas impõe o dever de projetar-se e instalar-se os equipamentos de mobiliário urbano de forma a garantir a acessibilidade, deixando toda a regulamentação para o legislador local. Assim, trata-se, de fato, de norma geral.

Com relação ao artigo 11, seu caput traz norma geral, já que apenas estabelece a obrigatoriedade de considerar-se a acessibilidade na construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados de uso coletivo, e atenção ao que é expressamente determinado pela Constituição Federal, em seus artigos 227, §2º e 244.

O parágrafo único do artigo 11 traz requisitos mínimos de acessibilidade que deverão ser observados na construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados de uso coletivo e que, nos parece, novamente é destinado a que não reste o interesse que se quer preservar, a acessibilidade, completamente desamparado. Estabelece-se um mínimo, deixando ampla margem para o legislador local.

Ainda assim, devemos apontar que, caso se entenda diversamente, não é o caso de se considerar tais disposições inconstitucionais, pois, pelo menos em relação aos edifícios públicos federais tais normas são de observância obrigatória. Como alerta Fernanda Dias Menezes de Almeida[xi], é comum que as normas gerais de competência da União venham apresentadas conjuntamente, no mesmo diploma legal, com normas específicas que a União deve expedir voltadas para a sua própria Administração, o que gera dúvidas acerca de um eventual conflito de competências. Tal situação se repete ao longo da Lei nº 10.098/2000, como se verá adiante.

O artigo 12 da Lei nº 10.098/2000 traz disposição também genérica, estabelecendo a obrigatoriedade de acessibilidade em relação aos locais de eventos públicos, deixando a regulação a cargo do legislador local, observando as regras ABNT.

Os seus artigos 13 e 14 trazem disposições gerais, relativas à obrigatoriedade de acessibilidade nos edifícios em que haja elevadores, estabelecendo requisitos mínimos de acessibilidade, deixando a regulamentação também a cargo do legislador local. Trata-se, novamente, de um mínimo, sem o que não restaria proteção nenhuma ao direito tutelado.

O artigo 15 da Lei nº 10.098/2000 é disposição dirigida claramente à Administração Federal, relativo a política habitacional, não havendo, também transbordamento da competência da União, já que a esta compete organizar a sua própria Administração.

Norma geral é trazida pelo artigo 16 da lei em estudo, estabelecendo apenas que “os veículos de transporte coletivo deverão cumprir os requisitos de acessibilidade estabelecidos nas normas técnicas específicas”, não havendo aí qualquer regulamentação que possa ter ultrapassado o limite de uma regra geral. A observância das normas técnicas, aliás, é obrigatória para qualquer atividade.

Também os artigos 17 e 18 trazem normas absolutamente gerais, estabelecendo obrigatoriedade de que seja garantida a comunicação e o acesso à informação pelas pessoas com deficiência, impondo ao Poder Público a formação de profissionais intérpretes das linguagens de sinais e braile. É amplo, aqui, o campo de regulamentação do legislador local, ao qual somente foi imposta a obrigação de garantir a comunicação das pessoas com deficiência.

O artigo 19 também traz disposição que apenas impõe a obrigatoriedade de adoção de medidas para permitir o uso de linguagem de sinais nos meios de radiodifusão sonora e de sons e imagens, sem impor qualquer procedimento, o que demonstra seu caráter de norma geral. No entanto, a legislação sobre radiodifusão é de competência privativa da União, conforme artigo 22, IV, da Constituição Federal, o que retira qualquer dúvida acerca da constitucionalidade do dispositivo em comento.

Os artigos 20 e 21 da Lei nº 10.098/2000 trazem disposições genéricas, que apenas deveres ao Poder Público de eliminação de barreiras urbanísticas, arquitetônicas, de transporte e de comunicação, sem o estabelecimento de qualquer procedimento, o que caracteriza a norma geral, já que a regulação ficou a cargo do legislador local.

O artigo 22 é destinado à Administração federal, criando um programa no âmbito da Secretaria de Estado de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, não havendo que se falar em usurpação de competência. O mesmo, disposição dirigida à Administração federal, podemos afirmar do artigo 23 da lei em estudo, conforme expressamente consta do dispositivo legal citado.

No artigo 24 há nova disposição geral, impondo ao Poder Público o dever de fazer campanhas de conscientização acerca da acessibilidade e integração social da pessoa com deficiência. Cada ente federativo recebeu liberdade na execução de tal tarefa, que deverá regular com sua legislação própria.

O artigo 25 da lei analisada aponta para sua incidência sobre edifícios declarados bens de interesse cultural ou de valor histórico-artístico, deixando expressamente eventuais adaptações ao cargo das normas específicas reguladoras desses bens, o que demonstra seu caráter de norma geral.

Permite o artigo 26 da lei que as organizações representativas de pessoas com deficiência acompanhem os requisitos de acessibilidade estabelecidos, o que não representa qualquer regulamentação específica da matéria.

Por fim, o artigo 27 do diploma legal examinado é mera disposição que define a data de entrada em vigor da lei.

Assim entendemos que não há qualquer inconstitucionalidade referente ao exercício incorreto da competência legislativa concorrente pela União na edição da Lei nº 10.098/2000.

V – Conclusão

Na repartição constitucional de competências foi estabelecida, pelo artigo 24 da Constituição Federal, uma seara de competências legislativas concorrentes para a União, os Estados e o Distrito Federal, a que os Municípios também têm acesso em razão do disposto no artigo 30, II, da CF, em que à União compete, conforme o § 1º do mesmo artigo 24 da Lei Maior, o estabelecimento de normas gerais, a serem complementadas pelos outros entes federativos.

A Lei nº 10.098/2000 foi editada pela União em atendimento à sua competência de editar normas gerais relativas à “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”, trazida pelo artigo 24, XIV da Constituição Federal, não havendo, em nosso entendimento, qualquer transbordamento da competência da União, e concluímos, pois, quanto ao aspecto da competência para edição, pela sua constitucionalidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2010.

ARAUJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional das Pessoas Com Deficiência. 4ª edição. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2011.

_____ Barrados. Pessoas Com Deficiência Sem Acessibilidade: Como, o Que e De Quem Cobrar. Petrópolis: KBR Editora Digital, 2011.

MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 20, dez., jan., fev., 2009, 2010. Disponível emhttp://www.direitodoestado.com/revista/ RERE-20-DEZEMBRO-2009-RICARDO-MARTINS.pdf. Acesso em 14 de novembro de 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conceito de normas gerais no direito constitucional brasileiro. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 13, n. 66, mar./abr. 2011. Disponível em http://bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=72616. Acesso em: 09 de novembro de 2012.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Competência concorrente limitada – o problema da conceituação das normas gerais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 25, n. 100, out./dez. 1988.

Notas:

[i] Competências na Constituição de 1988. 5ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 139.

[ii] O conceito de normas gerais no direito constitucional brasileiro. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 13, n. 66, mar./abr. 2011. Disponível em http://bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=72616. Acesso em: 09 de novembro de 2012.

[iii] Competência concorrente limitada – o problema da conceituação das normas gerais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 25, n. 100, out./dez. 1988, p. 159

[iv] Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 163.

[v] As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 20, dez., jan., fev., 2009, 2010. Disponível emhttp://www.direitodoestado.com/revista/RERE-20-DEZEMBRO-2009-RICARDO-MARTINS.pdf. Acesso em 06 de novembro de 2012.

[vi] O conceito de normas gerais no direito constitucional brasileiro. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 13, n. 66, mar./abr. 2011. Disponível em http://bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=72616. Acesso em: 09 de novembro de 2012.

[vii] Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969. 2ª edição. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1974, Tomo II, p. 169-170.

[viii] Competências na Constituição de 1988. 5ª edição, São Paulo, Editora Atlas, 2010, p. 133.

[ix] “Art. 3º O planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos demais espaços de uso público deverão ser concebidos e executados de forma a torná-los acessíveis para as pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Art. 4º As vias públicas, os parques e os demais espaços de uso público existentes, assim como as respectivas instalações de serviços e mobiliários urbanos deverão ser adaptados, obedecendo-se ordem de prioridade que vise à maior eficiência das modificações, no sentido de promover mais ampla acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Parágrafo único. Os parques de diversões, públicos e privados, devem adaptar, no mínimo, 5% (cinco por cento) de cada brinquedo e equipamento e identificá-lo para possibilitar sua utilização por pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, tanto quanto tecnicamente possível. (Incluído pela Lei nº 11.982, de 2009). Art. 5º O projeto e o traçado dos elementos de urbanização públicos e privados de uso comunitário, nestes compreendidos os itinerários e as passagens de pedestres, os percursos de entrada e de saída de veículos, as escadas e rampas, deverão observar os parâmetros estabelecidos pelas normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. Art. 6º Os banheiros de uso público existentes ou a construir em parques, praças, jardins e espaços livres públicos deverão ser acessíveis e dispor, pelo menos, de um sanitário e um lavatório que atendam às especificações das normas técnicas da ABNT. Art. 7º Em todas as áreas de estacionamento de veículos, localizadas em vias ou em espaços públicos, deverão ser reservadas vagas próximas dos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção.

Parágrafo único. As vagas a que se refere o caput deste artigo deverão ser em número equivalente a dois por cento do total, garantida, no mínimo, uma vaga, devidamente sinalizada e com as especificações técnicas de desenho e traçado de acordo com as normas técnicas vigentes.”

[x] “Art. 8º Os sinais de tráfego, semáforos, postes de iluminação ou quaisquer outros elementos verticais de sinalização que devam ser instalados em itinerário ou espaço de acesso para pedestres deverão ser dispostos de forma a não dificultar ou impedir a circulação, e de modo que possam ser utilizados com a máxima comodidade. Art. 9º Os semáforos para pedestres instalados nas vias públicas deverão estar equipados com mecanismo que emita sinal sonoro suave, intermitente e sem estridência, ou com mecanismo alternativo, que sirva de guia ou orientação para a travessia de pessoas portadoras de deficiência visual, se a intensidade do fluxo de veículos e a periculosidade da via assim determinarem.”

[xi] Competências na Constituição de 1988. 5ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 133.

msg

Deixe uma resposta